Imagens recentes de armadilhas fotográficas da Mata Atlântica do Brasil estão sondando nossa compreensão das práticas de automedicação em animais. Os pesquisadores, neste caso, encontraram evidências que sugerem que uma série de mamíferos tropicais visita regularmente determinadas árvores conhecidas por desempenhar um papel na medicina tradicional. O trabalho foi publicado na revista BioTrópica.
Olivier Kaisin, Ph.D. estudante da Universidade de Liège e da Universidade Estadual Paulista, e sua equipe descobriu o comportamento incomum ao realizar pesquisas sobre micos-pretos. Notavelmente, imagens de câmeras capturaram membros dessa espécie de macaco – não conhecida por sua sociabilidade – visitando cabreúvas (Myroxylon peruiferum) árvores em grupos.
“Vimos o grupo de micos se esfregando nesta árvore e primeiro pensamos que eles estavam marcando o cheiro, marcando território, porque muitas vezes fazem isso”, diz Kaisin. Um olhar mais atento revelou outra coisa.
Esta espécie de árvore é comumente usada na medicina tradicional para uma variedade de doenças em humanos. Cabreúvas produzir uma resina que se acredita ajudar a tratar sarna, disenteria e infecções urinárias. Enquanto isso, acredita-se que sua casca funcione como um antibiótico, matando Templos dos egípcios larvas de mosquito e funcionam como uma substância antifúngica. Também é usado como perfume por causa de seu aroma peculiar e pungente, que lembra mel e pinho recém-cortado, diz Kaisin.
A equipe montou mais armadilhas fotográficas para investigar o que os micos-pretos estavam fazendo. Isso revelou que o comportamento não se limitava a este animal.
Uma hoste de mamíferos
Armadilhas fotográficas estrategicamente colocadas em diferentes árvores mostraram que muitos animais que habitam a Mata Atlântica visitam cabreúvas. A lista de mamíferos que esfregaram ou lamberam a árvore parece uma lista da biodiversidade tropical: jaguatiricas, tairas, quatis, morcegos frugívoros neotropicais, queixadas, tamanduás do norte e veados-catineiros.
Isso marca a primeira observação desse comportamento em queixadas, tamanduás, tairas e morcegos frugívoros neotropicais, observam os autores do estudo. Os tamanduás, que são uma espécie de tamanduá, usaram suas garras alongadas para rasgar a árvore antes de fazer uma boa e velha massagem de corpo inteiro, diz Kaisin. Enquanto isso, os queixadas esfregavam os focinhos e se esfregavam uns nos outros, de cima a baixo, parecendo compartilhar o bálsamo da árvore. “Eles colocam no focinho e depois nas patas traseiras. Mas eles também fizeram isso entre indivíduos, o que foi realmente surpreendente de testemunhar”, acrescenta.
Kaisin e seus colegas acreditam que parte desse comportamento com a árvore é um exemplo de zoofarmacognosia – ou automedicação em animais. Mas essa hipótese ainda não foi confirmada. “Fazemos suposições com base na literatura atual, mas seriam necessários outros estudos para realmente entender exatamente o porquê”, diz ele. É possível que os mamíferos da Mata Atlântica estejam usando o bálsamo da árvore para repelir parasitas ou proteger contra doenças transmitidas por mosquitos ou carrapatos.
“[T]Os comportamentos que eles estão vendo e descrevendo são certamente consistentes com a automedicação”, diz Dan Blumstein, professor de Ecologia da UCLA, que não participou do estudo. “A novidade que eu pensei sobre isso foi usar armadilhas fotográficas e adquirir todas essas informações ocultas, coisas que estão acontecendo lá fora que as pessoas não estão vendo, e então sugerir que isso é consistente com a automedicação.”
Uma ‘Farmácia Universal’
Álvaro Mezcua é Ph.D. estudante da Universidade Complutense de Madrid que estudou a história da zoofarmacognosia. Ele não esteve envolvido no estudo da Mata Atlântica e diz que várias coisas podem motivar o comportamento desses animais em relação à árvore. “Às vezes é apenas uma questão de gosto, algo que eles gostam de comer, cheirar ou esfregar o pelo por motivos sociais ou territoriais”, diz ele.
Dado que se acredita que essas árvores possuem uma série de benefícios, ele acredita que a automedicação é uma forte possibilidade: “[I]É mais do que provável que as várias espécies de mamíferos saibam perfeitamente como e quando usá-los para se beneficiar de suas propriedades profiláticas e/ou terapêuticas.”
Em geral, o campo da zoofarmacognosia permanece pouco estudado, diz Mezcua, apesar de sua importância e dos possíveis benefícios que pode proporcionar à vida selvagem e aos seres humanos. “Existem muitas aplicações para isso em campos importantes como medicina veterinária, bem-estar animal, farmacologia, zootecnia, medicina humana, conservação de animais e habitats e muito mais”, diz ele.
Com base em suas descobertas, Kaisin e seus colegas acreditam que os cabreúvas as árvores poderiam funcionar como uma “farmácia universal” para os animais da Mata Atlântica. “M. periferum pode representar um recurso valioso e disputado para espécies de mamíferos, o que pode ajudar a sustentar as populações, promovendo sua saúde e aumentando a aptidão”, afirma o estudo. Se essa hipótese for verdadeira, esse achado pode ter ramificações importantes para a conservação dessas espécies e da Mata Atlântica.
“Com mais estudos, se esse comportamento for finalmente confirmado e as cabreúvas provarem ser uma farmacologia natural para uma ampla gama de espécies, as ações de conservação seguirão e muitas áreas poderão, consequentemente, ser protegidas”, diz Mezcua.
Se esses animais são dependentes da árvore e quão importante pode ser para sua aptidão são apenas algumas das perguntas que ainda precisam ser respondidas, de acordo com Kaisin. Seu próprio projeto de pesquisa foi interrompido devido à pandemia do COVID-19. Mas outras investigações estão em andamento para confirmar se esse comportamento é de fato um ato de automedicação.
Embora permaneçam dúvidas sobre por que esses animais estão migrando para essas árvores, Kaisin está entusiasmado com o fato de ainda termos muito a aprender sobre as espécies tropicais. “Acho interessante em 2022 ainda descobrir coisas incríveis sobre as espécies, principalmente sobre os mamíferos porque costumam ser mais estudados”, diz.
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